"Mágica Maresia"
Passava por um típico bairro de Barcelona, altos prédios impunham-se muito altos e em direcção ao infinito. Olhando para cima conseguia vislumbrar um diminuto corredor de céu e o Sol não se via. As pessoas podiam tocar-se com as mãos, de janela a janela. Os vasos, junto das portas e dentro das varandas, estavam repletos de plantas em flor. Os moradores confraternizavam entre si na base do conhecimento de longa data. A calçada era feita de relevos moldados pelo tempo. As paredes caiadas e envelhecidas. O ar mal circulava. Passeava lentamente, absorvendo cada ponto daquela rua estreita. Não tinha pressa em chegar ao fim. Vivia-se um ambiente inerente a uma qualquer rua de uma qualquer cidade antiga.
A miséria estava latente, cães e gatos procuravam comida, se tinham dono não parecia pois não se incomodavam com eles. O lixo espalhado também era visível e indicava o que os moradores daquela rua comiam. Os vidros das janelas deixavam ver cortinas de pano gastas pelo passar dos anos permitindo antever a condição económica dos seus habitantes. Perto do fim da rua, uma mulher vendia flores e uma outra, diverso peixe. Mais ao fundo, uma mulher com olhar triste e aspecto rude, apregoava:
-Venha freguês! Venha saber a sua sina! Aproximei-me e indaguei:
-É verdade? Adivinha o futuro?
-Sim. Mostre-me a sua mão e ficará a saber de tudo!
Senti medo e fiquei sem saber o que fazer. Finalmente e depois de tanta hesitação, não resisti e quis saber o futuro.
Vais ser muito feliz! – Dizia. - Vais ter uma vida fácil, vais conquistar o mundo, ultrapassarás todas as barreiras, serás invencível, morrerás velho, muito velho, mas cego! Tens uma sina igual à minha!
Fiquei aterrorizado, paguei e afastei-me de imediato. Achei a mulher ignorante. Fui culpado, ninguém me mandou ser tão curioso, vivia agora um pesadelo, tinha ouvido um monte de mentiras e ainda por cima tinha pago para ouvir tanta inutilidade. Arranjei um problema que me perseguiu pela vida fora, pesadelos assolavam-me durante a noite e vivia constantemente o medo que as palavras daquela mulher produziram em mim. Posteriormente a vida profissional levou-me a diversas partes do mundo, sempre acompanhado por este pesadelo.
Findo o meu percurso profissional, tinham-se passado muitos anos, a curiosidade era crescente e decidi regressar àquela rua de novo. Os pensamentos sempre presentes. Será que a mulher já faleceu? Isso seria mais que normal, já tinha uma certa idade quando me leu a sina.
Ao chegar, constatei que grande número de artérias tinha sido alterado. Casas novas, maiores e mais bonitas. O chão tinha sido alcatroado, era visível a evolução. Num local ou noutro, restavam alguns edifícios antigos. Das vendedoras de flores e peixe nem sinal. Os cães e os gatos por ali continuavam. Fui caminhando e revivendo o passado. O meu coração batia velozmente, até que visualizei o fundo da ruela, aterrorizei, o meu coração parecia querer sair de dentro de mim. Parei, respirei bem fundo e por fim senti-me melhorar. Sentada à entrada da porta, estava uma mulher vestida de preto e não se tratava de uma mulher qualquer. Que idade teria? Perguntei-me. Eu nem queria acreditar, será que é mesmo ela? A mentirosa? Perguntei-me várias vezes.
Fui-me aproximando com receio e com coragem dirigi-lhe a palavra:
-Então a senhora ainda lê a sina?
-Quem está aqui? Perguntou.
Fiquei arrepiado.
-Há muitos anos leu-me a sina, aqui neste mesmo lugar. Recorda-se?
Entretanto, abeira-se da porta, vinda do interior da casa, uma mulher mais nova e era parecida com a outra.
-Quer que lhe leia a sina, senhor? Perguntou com naturalidade.
-Não, ela leu-ma há muitos anos.
-Agora já não pode ler. Está cega. Eu posso ler-lhe sou neta dela.
-Nem pensar, ela disse-me que a minha sina era igual à dela. Chega de pesadelo! E fugi apressadamente.
Nunca mais quis acreditar na leitura da sina.
Passaram vinte anos e hoje agradeço ao João, meu neto, que escreve isto para o meu blogue pois eu não consigo mais. Estou cego e não vou voltar a ver, foi-me diagnosticada a morte dos lóbulos occipitais do canal da visão.
Baseado numa história verídica
Escrito e adaptado por Paulo Gonçalves.
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