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sexta-feira, 20 de novembro de 2009

MÁGICA MARESIA

O Manto
*
Algures num país existem aldeias e vilas com costumes completamente diferentes dos instituídos antigamente e pelo Cristianismo. Práticas que se foram impondo com a chegada de um outro regime fundamentalista. Todas as famílias têm uma tradição muito prática; os filhos ficam com os pais, cuidando sempre deles na sua velhice, no entanto se um deles atinge a idade dos noventa anos cabe ao filho comprar uma manta muito quentinha, oferece-la ao pai ou à mãe e uma marmita de comida. Em seguida os filhos e netos despedem-se, sendo o mais velho encarregado de levar o seu pai/mãe a uma montanha completamente isolada, local onde de noite os lobos atacam, acabando assim com a vida dos pais inúteis e velhinhos.

Moammar tinha tido um dia difícil, a tristeza cobria-lhe o rosto, as lágrimas teimavam em cair dos seus olhos. Tinha chegado o dia de abandonar a sua mãe e saltavam-lhe as lembranças do passado. Os momentos de brincadeiras, de ternura, de carinhos, as comidas que a sua mãe tão bem confeccionava, os braços quentes de sua querida mãe que o aqueciam nas frias noites de Inverno.
Encheu-se de coragem e entrou numa conhecida loja e pediu;
- Bom dia John. Quero o manto mais caro e quente que aí tiveres.
- Então, vais livrar-te do peso?
- Sim. Respondeu com a voz embargada.
- Então homem, que é isso? Devias estar contente e ela também.
- Sim, estou!
O comerciante colocou no balcão um manto de lã de diversas cores e bem espesso.
- Ora aqui está! Uma peça única! A melhor e mais cara que tenho!
- Muito bem. Levo esse! - Respondeu.
Saiu da loja com um amargo de boca que lhe corrompia a alma. Nem que o Sol brilhasse com toda a força o conseguiria aquecer.
Ao chegar a casa o coração parecia querer saltar-lhe da boca. Leon, sua esposa, veio ao seu encontro;
- Moammar, tenho a marmita pronta.
-Onde está a minha mãe?
-Ali, junto à janela. Está a fazer algo que não quis mostrar. Como é o seu último dia respeitei.
Moammar viu sua mãe sentada numa cadeira e fazendo algo com lãs e agulhas.
Aproximou-se lentamente, passo ante passo e com um grande constrangimento conseguiu falar;
- Mãe. Comprei o melhor manto para si.
- Sim filho? Que bom!
Eu também estou a fazer este, é quentinho, tem muita qualidade, está a levar a melhor lã.
- E para que serve?
- Vou oferece-lo ao meu neto Rafik.
- Ora mãe para que é que o Rafik quer um manto desses?
- Meu filho, para te oferecer a ti.
- Oferecer?! A mim?!
- Sim filho, para quando chegar o dia de seres abandonado. Assim nesse teu último dia, olhando para este manto vais lembrar-te da tua mãe. Sentirás menos frio quando estiveres sozinho e sentires próxima a tua morte.
Sentiu uma grande dor que lhe trespassou a alma, as lágrimas rolaram pelo rosto.
Algo estava errado, tinha recebido tanto amor e amor com amor se paga. As regras, as leis e os argumentos do homem falham. O princípio do amor não é assim tão difícil de entender. O homem, na sua condição humana é que tem dificuldade em o aplicar. Talvez caminhando mais, talvez amando mais, talvez...


MALULA, Síria – Elias ainda se lembra das velhas pessoas de sua aldeia síria falando apenas o aramaico, a língua de Jesus. Naquela época, o vilarejo, ligado à capital Damasco apenas através de uma longa e cansativa viagem de camioneta pelas montanhas, era quase que inteiramente cristão, um vestígio de um antigo e diversificado Oriente Médio que existia antes da chegada do Islamismo.




História criada por mim, baseado num dado histórico real.
Os nomes são fictícios e o País não está identificado mas existem vários onde é aplicada esta tradição, embora rara e em algumas aldeias rurais.

Paulo Gonçalves.




2 comentários:

  1. Grande conto. Impressionante e bem escrito. eu nem sei que dizer está com muita imaginação.

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